domingo, 21 de junho de 2015

Famosos falam de intolerância religiosa após morte de médium no Rio

Nelson Xavier, Henri Castelli, Valesca Popozuda e outros artistas ligados ao espiritismo repudiam os recentes episódios de violência.

Juliana Maselli, Luciana Tecídio e Tatiana Regadasdo EGO, no Rio
Nelson Xavier (Foto: Reprodução)Nelson Xavier como Chico Xavier no cinema
(Foto: Reprodução)
Nesta sexta-feira, 19, o médium Gilberto Arruda, do Centro Espírita Lar de Frei Luiz, um dos maiores e mais importantes do Rio de Janeiro - que tem muitos famosos entre seus frequentadores -, foi encontrado morto, amarrado e amordaçado em seu quarto. Ocrime esquentou ainda mais as discussões sobre episódios de intolerância religiosa, que vêm acontecendo com maior frequência recentemente - há cinco dias,uma menina de 11 anos levou uma pedrada ao sair com sua roupa de candomblé do centro, também no Rio.
Em meio a este debate, o EGO conversou com famosos ligados não só ao Frei Luiz, mas também ao espiritismo em geral. Todos se mostraram chocados com os casos de violência e criticaram a falta de tolerância religiosa. Nelson Xavier, que interpretou o famoso médium Chico Xavier no cinema, é kardecista e já esteve no centro espírita onde ocorreu o assassinato. Alcione conhecia pessoalmente Gilberto e já havia se consultado com ele. Veja o depoimento dele e de outros artistas:
Nelson Xavier
"Cheguei a frequentar o Frei Luiz. Estive lá umas cinco ou seis vezes e até fiz um tratamento holístico, mas não conheci o Gilberto. Lamento muito o que aconteceu com ele. A gente está vivendo um momento muito difícil no Brasil. As pessoas não tem dinheiro para viver e acho que toda energia baixa parece se expandir. Esses assaltos com facas são uma coisa bem visceral... Está muito difícil mesmo. A gente precisa se concentrar em pensamentos positivos e energias brancas".
Alcione
"Ele foi um grande médium e só fazia o bem. Eu mesma já tinha sido atendida por ele. Precisamos saber, com urgência, quem está fazendo essas coisas. Precisamos saber que energia estranha é essa que anda espalhando tanto mal em agressões a tantas pessoas que só fazem o bem. Estamos todos muito tristes, desesperados com esta notícia. É mais uma vítima da intolerância absurda que tem proliferado neste país, que sempre foi conhecido pela cordialidade e boa convivência entre povos e credos".
Valesca Popozuda (Foto: Marcos Serra Lima/EGO)Valesca Popozuda é umbandista
(Foto: Marcos Serra Lima/EGO)
Valesca Popozuda
"Ao mesmo tempo em que confiamos de olhos fechados e coração aberto no poder supremo de Deus, algumas vezes me pergunto o motivo de tanta intolerância. Algumas pessoas têm perdido os laços de amor com as outras. O respeito não existe mais. Na minha época de menina, minha mãe, que sempre foi uma guerreira - em todos os aspectos - não me permitia discriminar ninguém, talvez por isso eu tenha crescido com esse sentimento de igualdade tão forte dentro de mim. É muito triste ver como a intolerância, neste caso, religiosa, pode fazer tamanha maldade com um ser humano tão frágil, indefeso. As vezes penso: Será que não estamos caminhando pra trás ao invés de evoluir rumo a direitos igualitários? Não me conformo em pensar que somente por acreditar em um caminho religioso diferente de algumas pessoas, alguém possa tomar pedradas na rua. Agressão não, não posso admitir. Temos que acreditar que Deus é um só, e que o que nos move são as nossas crenças, nossa fé. Peço ao nosso pai maior que nos dê serenidade para enfrentar o que não podemos mudar, mas também, nos dê muita força para lutar por um mundo melhor".
Amanda Djehdian (BBB 15)
"Eu fico horrorizada ao ver notícias como essa! As pessoas têm que entender que uma oração de um católico, de um evangélico, de um espírita, de um umbandista ou da religião que for é para o mesmo Deus, o mesmo que ensina a amar e respeitar o próximo! O Brasil viu o quanto preconceito sofri enquanto estava dentro da casa... Quando saí, achei um absurdo julgarem alguém pela sua religião, mas respeito todas as opiniões. Pois o que me é ensinado na minha religião é respeitar todas as outras e todas as pessoas.  Sempre estender a mão a quem precisar e principalmente saber que as pessoas têm limitações, então relevo as agressões verbais e desejo muita paz para pessoas que ao invés de doarem amor ao próximo, agridem".
Jessika Alves (Foto: Isac Luz / EGO)Jessika Alves (Foto: Isac Luz / EGO)
Jessika Alves
"A intolerância é geral, né? As pessoas não entendem que cada um é livre para fazer o que quer. Nada justifica discriminar alguém, muito menos partir para a violência. Estamos precisando de amor e Deus. Porque está tudo muito louco! Estamos vivendo uma guerra civil aqui no Rio, com medo não só de bandidos, mas agora também de pessoas comuns de mente fechada. Eu fui criada em uma família evangélica e sou cristã, apesar de hoje não frequentar mais a igreja e não ter uma religião definida. Mas tenho amigos do Frei Luiz e já fui lá com eles. Também é importante não generalizar! Porque falam muito dos evangélicos e realmente é uma doutrina muito rigorosa, mas ninguém da minha família pensa assim e teria comportamentos como esse, por exemplo".
Angélica Ramos (BBB 15)
"Está cada dia mais complicado. A intolerância é religiosa, sexual, racial... E parece que esse ano a coisa tá pior. O preconceito e a violência estão gratuitos. Te afrontam e te ameaçam diretamente e, quando você levanta qualquer bandeira, é apedrejado. Não pode nem ter direito à sua opinião. Eu sofri muito com isso quando sai da casa porque minha mãe é do candomblé e por causa da minha amizade com a Amanda. É uma ignorância impressionante! Bem difícil conviver com isso... As pessoas têm que aprender a respeitar as opções de cada um. Tudo gera tumulto e crítica. O jeito é ser feliz da forma que você escolheu e não tentar se moldar à sociedade. Se não você não vive".
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Mãe Neide Oyá D´Oxum e Henri Castelli (Foto: Reprodução/Facebook)Mãe Neide Oyá D´Oxum e Henri Castelli
(Foto: Reprodução/Facebook)
Henri Castelli
"Eu me pergunto: Para que isso? Que Deus é esse que está dentro das pessoas que praticam intolerância e preconceito. Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensinou a ter amor ao próximo, amar nosso semelhante, praticar a verdadeira caridade, ajudar uns aos outros. Por que tanta agressividade? Vamos nos respeitar e nos amar independente de raça, classe social, religião ou opinião política. Vamos colocar de verdade a mão na consciência e colocar Deus no coração. Ninguém é melhor que ninguém, somos todos irmãos, iguais perante a Deus . Espero do fundo do coração que um dia isso acabe e que tenhamos mais amor e paz no coração. Amo todos vocês. E Deus também. O racismo e o preconceito são a prova do quanto ainda somos primitivos".
http://ego.globo.com/famosos/noticia/2015/06/famosos-falam-de-intolerancia-religiosa-apos-morte-de-medium-no-rio.html?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=ego

Nem só azul, nem só rosa. Pela superação das binariedades





Você já parou para refletir sobre o que representa a expressão “ideologia de gênero” que ultimamente tem sido publicada nas redes sociais?



Parece-me que vale um tempo de reflexão sobre o que ela pretende expressar. A primeira coisa importante, então, seria entendermos o que sinaliza o termo ideologia. Sobre essa palavra que já é tão usada em nosso dia-a-dia e que pode ser tomada, inicialmente, como um conjunto de ideias sobre algum assunto. Se aprofundarmos um pouco mais o entendimento sobre ideologia, podemos afirmar que se trata de um conjunto de ideias sobre algum assunto a respeito do qual, um indivíduo ou grupo de indivíduos, assenta convicções e práticas políticas que orientam a sua vida social. Até aí tudo bem. As pessoas podem sustentar diferentes tipos de ideologias e a partir delas orientarem suas vidas. Mas devemos atentar para o fato de que se uma ideologia for tomada como único, verdadeiro e absoluto ponto de vista sobre os outros, corre-se o risco perder de vista que existem outros pontos de vista legítimos, com base nos quais as pessoas podem construir suas opiniões.



Quando uma ideologia é tida como exclusiva, aí pode-se dizer dela que é alienante, porque priva a pessoa ou grupo de pessoas que a ostenta de outras possibilidades de interpretação da realidade social.



Tomando por base essa compreensão de ideologia, passemos ao segundo ponto, o que vem a ser gênero.



Diz-se da espécie humana que é dividida em dois gêneros: o masculino e o feminino. Seriam duas classes diferentes, uma que agrupa homens e outra mulheres, listadas conforme características comuns. As tais características seriam definidas pelo que seria próprio ao homem e a mulher, mas isso se definiria prioritariamente pelo aparelho sexual: homens têm pênis, mulheres têm vagina. Daí que todos os outros traços da psiquê, do comportamento e da conduta social de homens e mulheres se definiriam com base nesse argumento que é tão somente biológico. Mas, então, o que se pode dizer de homens que possuem pênis, mas pensam e se sentem mulheres e mulheres que têm vagina, mas pensam e sentem tal qual homens? Outra pergunta: o que dizer de pessoas que nascem com um aparelho reprodutor feminino, mas a genitália masculina? Ora, nesses casos, o gênero da pessoa somente poderá ser definido diante sua escolha e no momento em que tiver condições emocionais para tomar tal decisão.



Embora esses dois casos sejam poucos em face da quantidade de situações que exibe a vida cotidiana e que espelham questões sérias sobre os gêneros e a sua definição, elas nos servem como indicativos que nos ajudam a desconstruir a simples classificação binária de gênero masculino/feminino. O ponto de vista segundo o qual masculino e feminino se distingue apenas em função da correspondência entre aparelho reprodutivo e genitália, uma de homens/machos e outra para mulheres/fêmeas, não suporta ambuiguidades dentro do esquema binário masculino e feminino. O que fazemos com esses casos, então?



Em algumas culturas, essas ambiguidades eram amaldiçoadas. No caso do judaísmo antigo, por exemplo, aqueles cujos órgãos reprodutivos fossem mutilados, especialmente homens, ou que manifestassem outro gosto no uso de sua genitália – que não correspondesse à relação homem-mulher, de coito, com finalidade de procriação –, era considerado impuro. Na condição de impuro, ele não poderia integrar a comunidade religiosa, pois não corresponderia ao padrão de perfeição exigida pelo seu Deus Yahweh. Tal padrão cumpre o desígnio de Deus que teria criado homem e mulher, segundo sua própria imagem, para que se reproduzissem e governassem a terra. Fora desse parâmetro, homem e mulher não cumpririam sua missão no mundo. Aquele que desejasse agradar Yahweh, no antigo judaísmo, deveria atinar para o que dizia a Lei dele. Caso contrário, seria considerado impuro.



Esse entendimento é o mesmo na Bíblia cristã (católica e protestante/pentecostal). Isso porque 1) cristãos e judeus compartilham o Antigo Testamento e 2) Jesus, em que acreditam os cristãos, era ele mesmo um judeu. Consequência, a religiosidade e a cultura de cristãos e judeus apresentam muitos pontos em comum, dentre os quais: o entendimento de que a função do casamento é unir homem e mulher, a fim de constituírem família e procriarem: “Assim Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou... Deus os abençoou e lhes disse: Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra!” (Gênesis 1:27-28). Esse, portanto, é um postulado cristão. Sobre ele se assenta a crença que existem apenas dois gêneros e dele depende a sobrevivência da espécie humana. Essa espécie que teria sido criada pelo Deus único, Criador de céus e terra. Trata-se de um postulado porque não se pode comprová-lo. Em torno da crença em Deus pode até haver um consenso inicial, mas não partilhado por todos e todas.


Fiz esse percurso, a fim de sustentar que dada a complexidade desse assunto, a recente expressão “ideologia de gênero” criada por religiosos cristãos – de maioria pentecostal, mas não só – defende a distinção homem/mulher com base numa crença que não é partilhada igualmente por todos e todas. O passo seguinte, a afirmação de que a homossexualidade pode vir a acabar com a família (no modelo cristão) é apenas um desdobramento disso. Por isso, seria uma ameaça. Contudo, uma ameaça legítima apenas segundo o entendimento cristão do que seja a função de homens e mulheres e forma ou modelo mais “correto” de família.



Diante desse quadro, aqui pintado brevemente, vale a pergunta: qual grupo tem uma ideologia de gênero que se opõe a outras formas de entendimento da realidade?



Para dizer claramente onde pretendo chegar, se todos os planos de educação, os projetos de lei e os documentos que em seus textos apresentarem a palavra gênero estiverem expressando subliminarmente uma ideologia funesta que visa destruir as famílias pelo enfraquecimento da definição homem/mulher, sim, aí teríamos uma perigosa ideologia. Talvez, uma ideologia cuja utopia seria uma sociedade formada de pessoas gays ou quem sabe pessoas assexuadas, por que não? E, sim, o desdobramento disso seria o fim da humanidade ou quem sabe, uma humanidade criada in vitro. O que parece ficção, entretanto, se confunde com crença, daquelas irrefutáveis que ameaçam não a todos, mas a alguns. Dito de outra forma: quando religiosos se alinham em torno da defesa da binariedade masculino e feminino, da família e da moralidade cristã como único paradigma de interpretação do mundo, estão a defender uma “ideologia de gênero”: a ideologia de alguns...


Se a Constituição brasileira prevê como direito fundamental, a inviolabilidade da liberdade de crença e de consciência, vale lembrar que tal inviolabilidade se desdobra em três: 1) liberdade de consciência - convicção, valores e escolhas -, 2) liberdade de religião - de aderir ou não a uma religião -, 3) e liberdade de culto. A laicidade é a maior garantia de que essas liberdades poderão ser exercidas integralmente.


Quando há conflito de direitos e o exercício dessas liberdades se ameaçam mutuamente pela incompatibilidade, por exemplo, entre um tipo de consciência e uma modalidade de crença religiosa, o que deve prevalecer, senão que: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" (Art. 5º da Constituição de 1988)? A prevalência do ponto de vista de um grupo não denuncia que está sendo beneficiado em detrimento de todos os outros? Quando a palavra gênero é retirada dos planos de educação, dos projetos de lei e de documentos importantes que visam construir uma sociedade igual para todos e todas, quem se beneficia? Qual ideologia se sobrepõe a todas as outras impedindo que outros pontos de vista exerçam influência na construção de um Estado democrático de real pluralismo político?


Penso que diferente dessa binariedade seria simplesmente o entendimento que a igualdade entre homens e mulheres, seus direitos e deveres, passa pela construção de uma sociedade em que as pessoas possam exercer autonomia e suas liberdades individuais, independente de serem homens ou mulheres: nem preto, nem branco ou, nem tão azul, nem tão rosa! Diferente disso seria avançarmos em direção a uma sociedade em que mulheres e homens pudessem ocupar espaços, desenvolver suas funções e fossem reconhecidos pelo mérito de suas ações, pelo potencial e pela capacidade que possuem e pela dignidade peculiar da sua humanidade que lhes reserva os mesmos direitos e deveres, independente do gênero com o qual se identificam ou não.
http://religsociedcult.blogspot.com.br/2015/06/nem-so-azul-nem-so-rosa-pela-superacao.html?spref=fb